"Ôh boa noite pessoá me dê licença, confirmando a presença do brinquedo que chegou", assim falava o amigo Waguinho, quando entrava em quadra com a Quadrilha Arroxa o Nó, anunciando a abrição dos trabalhos.
Nossa gente fez da quadrilha junina um lugar de acolhida e morada. Encontraram na ciranda girando no centro da praça, um motivo que alegrasse os dias frios e com pouca lenha pra alimentar a brasa.
Quadrilha é sentimento quentinho. Aquece quem brinca e o pessoal que assiste também fica com vontade de brincar. Em terra de brincadeira, brinquedo é poesia e faz curar.
É uma casa de portas e janelas sempre abertas, com café fresquinho na mesa e um laço de fita colorida pendurado na sala. É gente com jeito e coração de gente, tu sabe? É o jeito mais justo e sincero que a galera tem de ocupar a própria história.
Brincar quadrilha junina é um dos serviços mais necessários à continuidade da nossa memória.
É lembrança viva dançando com o cabelo penteado, chinela de couro e vestido rodado.
Na roupa bordada a mão, no alinhavo que passeia entre os retalhos, na estrela que brilha na testa do boi, nas fitas que balançam na barra da saia, no fuxico enfeitando a barra da calça e o sapato, no bigode pintado, no chacoalhar das cabaças, no embornal abarrotado de papel picado. Nos olhos de quem brinca e nas mãos de quem cuida do brinquedo, a alegria faz morada em todos os cômodos dessa casa.
Das escolas em que já estive, uma das mais sábias a educar. Dançando com a junina eu experimentei sobre grupo, coro e tolerância. Visitei lugares onde a vida se mostra muito mais palpável e corajosa: tirar do dinheiro da comida e colocar mais um metro de tecido na roda da saia, pra desfilar meia hora de alegria numa festa sagrada. Vi uma panela grande de caldo alimentar um bocado, vi o frio passar vergonha quando ouviu o sanfoneiro tocar.
Falar de quadrilha junina agora é quase revolucionário. Não se brinca a junina sem que haja alegria e muito menos sem trabalho. É urgente manter acesa a memória de um povo que, enquanto brinca e dança, nos faz lembrar que o coração da nossa história é sertão, roça e roçado.
Gustavo Gris